por Paulo Souto
A Resolução 43/2001, do Senado Federal, estabeleceu condições excepcionais que permitiram aos Estados operações de cessão de direitos relativos a receitas provenientes de royalties, participações especiais e compensações financeiras resultantes da exploração de petróleo, gás natural, recursos hídricos e minerais. Na verdade, uma antecipação das receitas de royalties.
Originalmente a lei 7990/89, que instituiu os royalties, vedou a aplicação desses recursos em pessoal e pagamento da dívida, sendo que posteriormente a lei 10.195/2001, que tratava de medidas de estímulo ao ajuste fiscal dos Estados, permitiu a sua utilização em Fundos de Previdência e para pagamentos de dívidas com a União.
Aquelas excepcionalidades foram criadas para os casos em que as receitas provenientes dessas operações de antecipação fossem aplicadas em duas situações: capitalização de Fundos de Previdência ou amortização extraordinária de dívidas com a União. Ou seja, embora a destinação dos royalties pudesse ter aplicações mais amplas, receitas provenientes de antecipação desses recursos através da cessão de direitos, só poderiam ser aplicadas para aquelas duas finalidades.
A Resolução criou uma situação particular para as operações da antecipação das receitas dos royalties, ao permitir que elas pudessem ser feitas abrangendo períodos posteriores aos mandatos do Chefe do Poder Executivo. Essa condição foi necessária para que não se invocasse a vedação prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal de 4 de maio de 2000, que estabelece que as antecipações de receitas orçamentárias teriam que ser liquidadas no mesmo ano e que não poderiam ser feitas no último ano do mandato do Chefe do Executivo. A Resolução, portanto, não tratou a antecipação de royalties como uma antecipação de receita orçamentária, um assunto controverso.
Não se deseja discutir aqui se a antecipação das receitas dos royalties tem o caráter de uma ARO clássica (Antecipação de Receitas Orçamentárias), que tem de ser liquidada no mesmo ano e não podem ser feitas no último ano de um mandato executivo. Há opiniões que descaracterizam essa semelhança, o que permitiu que a Resolução 43 a tratasse diferentemente, embora, tecnicismos à parte, são muito evidentes que os motivos que valeriam para uma ARO strictu senso, deveriam valer também para uma cessão de direitos sobre royalties. Aliás, é bom lembrar, que o Parágrafo Segundo do Artigo 5° da Resolução 43 fala expressamente em “antecipação de receitas de royalties”.
Entretanto o que desejamos neste artigo nota é analisar essas operações do ponto de vista do que teria sido sua motivação original e por que foram excepcionalizadas para que pudessem ser concretizadas, abrangendo períodos subseqüentes aos mandatos dos Chefes do Executivo nos quais foram realizadas. Interessa discutir aqui especificamente a excepcionalidade referente à sua aplicação em “capitalização” de Fundos de Previdência.
Não se pretende aqui analisar os motivos que determinaram a situação de colapso dos Fundos de Previdência dos Estados, sustentados por um regime de repartição que sucumbiu ante as suas origens desestruturadas, e as seguidas conquistas dos aposentados e pensionistas do ponto de vista legal. Adicionalmente, o desequilíbrio entre a relação de ativos e inativos torna insustentável o regime de repartição, no qual as contribuições dos servidores ativos e do Poder Público, deveria pagar aposentadorias e pensões.
Com o crescente peso dos inativos, o Estado é obrigado a cobrir o déficit existente para honrar o pagamento dos inativos. Essa cobertura é cada vez maior e se constitui hoje talvez um problema semelhante ao das dívidas estaduais, antes do Programa de Equilíbrio Fiscal dos Estados do início da década de 1990. Na Bahia, e seguramente devem existir Estados em situação mais aflitiva, para uma despesa total com Pessoal em 2012 de R$ 12,2 bilhões, R$ 3,9 bilhões foram gastos com inativos, ou seja 32%, número que, em 2014, já ultrapassará 35%.
Nesse contexto realmente , surgem as operações de antecipação de receitas de royalties, sustentadas pela Resolução 43, a título de capitalização de Fundos de Previdência, avançando sobre receitas futuras por períodos mais longos e, algumas vezes, realizadas em últimos anos de mandatos. As AROs clássicas estabelecem que as antecipações se dão sobre receitas anuais, devem ser quitadas ao final de cada exercício e não podem ser feitas no último ano de um mandato.Por que isso não valeria também para os adiantamentos dos royalties?
Ainda que se considere a gravidade do problema previdenciário, cabe questionar também a propriedade e a adequação dessas operações, utilizando receitas futuras decorrentes em sua maioria de compensações pela exploração de recursos não renováveis para cobertura, em última análise, de despesas com pessoal (inativos).
Parece muito mais próprio a utilização dessas receitas em investimentos em diversos setores, que possam preparar as comunidades onde essas receitas são geradas para o futuro, e mesmo, como leis recentes determinaram no caso dos royalties do pré-sal, em setores como educação e saúde, nos quais o País precisa dar saltos significativos.
Vamos, entretanto, admitir que o espírito da Resolução 43, ao focalizar as aplicações dos royalties nos Fundos de Previdência, criando para elas condições excepcionais não existentes para as tradicionais AROs, objetivasse encontrar um meio de intervir de forma mais estrutural nos Fundos de Previdência. Isso seria feito através de um processo de efetiva capitalização, que fosse criando gradativamente mais sustentabilidade a esses Fundos capitalizados, para fazer face a uma situação ainda mais crítica que se desenha para o futuro.
Para isso seria realmente necessário aportes mais expressivos, do que redundou, por hipótese, a abertura para que abrangesse períodos maiores e que ultrapassassem os mandatos nos quais fossem realizadas. Ao criar condições de maior sustentabilidade dos Fundos em longo prazo, estaria justificado que se avançasse sobre receitas futuras, o que também beneficiaria as próximas administrações. Sinceramente não sei se foram esses os motivos que determinaram as excepcionalidades referidas, mas se foram, até que estariam justificadas.
Estariam desde que os recursos fossem efetivamente aplicados para capitalizar os Fundos, no sentido de que permanecessem bloqueados temporariamente, aplicados financeiramente, aumentando os lastros, para que pudessem amenizar os problemas que, no futuro, certamente serão ainda mais graves. É claro, que pela magnitude do problema, não seriam suficientes isoladamente, mas a eles poderiam se juntar, por exemplo, outras receitas extraordinárias, como aquelas resultantes dos pagamentos das instituições financeiras nas quais são depositados os vencimentos dos servidores, cuja finalidade não poderia ser mais apropriada. Ou mesmo, através da desmobilização de ativos cuja venda não prejudicasse as funções essenciais dos Estados.
É isso que norteia atualmente a aplicação dos recursos dessas operações? Certamente que não. Na verdade, esses recursos parecem destinados simplesmente a cobrir, de forma emergencial, déficits anuais dos Fundos, não contribuindo de nenhuma forma para a sua futura sustentabilidade. Receitas futuras de alguns anos são rapidamente erodidas, pois substituem recursos tributários que deveriam fazer face a esses déficits dos sistemas previdenciários.
Uma operação atualmente em tramitação na Bahia pretende antecipar receitas de cinco anos para cobrir o déficit de menos de um ano do Fundo de Previdência, por coincidência o último ano de um mandato e, portanto, um ano eleitoral.
Dessa forma, acredito que estaria completamente desfigurado o sentido da operação para a qual a Resolução 43 estabeleceu condições excepcionais, na suposição de que pudesse contribuir para uma recuperação estrutural dos Fundos de Previdência e não simplesmente para um “pronto socorro” nas finanças de Estados que não se ajustaram para as novas demandas do sistema previdenciário.
Considero, diante desses fatos, que deve ser urgentemente revista a Resolução 43 do Senado Federal, no sentido de impedir que as antecipações de royalties se destinem a cobrir déficit de despesas com pessoal inativo, que teriam de ser honradas com as receitas correntes.
*Paulo Souto é ex-governador da Bahia, ex-senador da República e presidente de honra do DEM estadual.
Originalmente a lei 7990/89, que instituiu os royalties, vedou a aplicação desses recursos em pessoal e pagamento da dívida, sendo que posteriormente a lei 10.195/2001, que tratava de medidas de estímulo ao ajuste fiscal dos Estados, permitiu a sua utilização em Fundos de Previdência e para pagamentos de dívidas com a União.
Aquelas excepcionalidades foram criadas para os casos em que as receitas provenientes dessas operações de antecipação fossem aplicadas em duas situações: capitalização de Fundos de Previdência ou amortização extraordinária de dívidas com a União. Ou seja, embora a destinação dos royalties pudesse ter aplicações mais amplas, receitas provenientes de antecipação desses recursos através da cessão de direitos, só poderiam ser aplicadas para aquelas duas finalidades.
A Resolução criou uma situação particular para as operações da antecipação das receitas dos royalties, ao permitir que elas pudessem ser feitas abrangendo períodos posteriores aos mandatos do Chefe do Poder Executivo. Essa condição foi necessária para que não se invocasse a vedação prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal de 4 de maio de 2000, que estabelece que as antecipações de receitas orçamentárias teriam que ser liquidadas no mesmo ano e que não poderiam ser feitas no último ano do mandato do Chefe do Executivo. A Resolução, portanto, não tratou a antecipação de royalties como uma antecipação de receita orçamentária, um assunto controverso.
Não se deseja discutir aqui se a antecipação das receitas dos royalties tem o caráter de uma ARO clássica (Antecipação de Receitas Orçamentárias), que tem de ser liquidada no mesmo ano e não podem ser feitas no último ano de um mandato executivo. Há opiniões que descaracterizam essa semelhança, o que permitiu que a Resolução 43 a tratasse diferentemente, embora, tecnicismos à parte, são muito evidentes que os motivos que valeriam para uma ARO strictu senso, deveriam valer também para uma cessão de direitos sobre royalties. Aliás, é bom lembrar, que o Parágrafo Segundo do Artigo 5° da Resolução 43 fala expressamente em “antecipação de receitas de royalties”.
Entretanto o que desejamos neste artigo nota é analisar essas operações do ponto de vista do que teria sido sua motivação original e por que foram excepcionalizadas para que pudessem ser concretizadas, abrangendo períodos subseqüentes aos mandatos dos Chefes do Executivo nos quais foram realizadas. Interessa discutir aqui especificamente a excepcionalidade referente à sua aplicação em “capitalização” de Fundos de Previdência.
Não se pretende aqui analisar os motivos que determinaram a situação de colapso dos Fundos de Previdência dos Estados, sustentados por um regime de repartição que sucumbiu ante as suas origens desestruturadas, e as seguidas conquistas dos aposentados e pensionistas do ponto de vista legal. Adicionalmente, o desequilíbrio entre a relação de ativos e inativos torna insustentável o regime de repartição, no qual as contribuições dos servidores ativos e do Poder Público, deveria pagar aposentadorias e pensões.
Com o crescente peso dos inativos, o Estado é obrigado a cobrir o déficit existente para honrar o pagamento dos inativos. Essa cobertura é cada vez maior e se constitui hoje talvez um problema semelhante ao das dívidas estaduais, antes do Programa de Equilíbrio Fiscal dos Estados do início da década de 1990. Na Bahia, e seguramente devem existir Estados em situação mais aflitiva, para uma despesa total com Pessoal em 2012 de R$ 12,2 bilhões, R$ 3,9 bilhões foram gastos com inativos, ou seja 32%, número que, em 2014, já ultrapassará 35%.
Nesse contexto realmente , surgem as operações de antecipação de receitas de royalties, sustentadas pela Resolução 43, a título de capitalização de Fundos de Previdência, avançando sobre receitas futuras por períodos mais longos e, algumas vezes, realizadas em últimos anos de mandatos. As AROs clássicas estabelecem que as antecipações se dão sobre receitas anuais, devem ser quitadas ao final de cada exercício e não podem ser feitas no último ano de um mandato.Por que isso não valeria também para os adiantamentos dos royalties?
Ainda que se considere a gravidade do problema previdenciário, cabe questionar também a propriedade e a adequação dessas operações, utilizando receitas futuras decorrentes em sua maioria de compensações pela exploração de recursos não renováveis para cobertura, em última análise, de despesas com pessoal (inativos).
Parece muito mais próprio a utilização dessas receitas em investimentos em diversos setores, que possam preparar as comunidades onde essas receitas são geradas para o futuro, e mesmo, como leis recentes determinaram no caso dos royalties do pré-sal, em setores como educação e saúde, nos quais o País precisa dar saltos significativos.
Vamos, entretanto, admitir que o espírito da Resolução 43, ao focalizar as aplicações dos royalties nos Fundos de Previdência, criando para elas condições excepcionais não existentes para as tradicionais AROs, objetivasse encontrar um meio de intervir de forma mais estrutural nos Fundos de Previdência. Isso seria feito através de um processo de efetiva capitalização, que fosse criando gradativamente mais sustentabilidade a esses Fundos capitalizados, para fazer face a uma situação ainda mais crítica que se desenha para o futuro.
Para isso seria realmente necessário aportes mais expressivos, do que redundou, por hipótese, a abertura para que abrangesse períodos maiores e que ultrapassassem os mandatos nos quais fossem realizadas. Ao criar condições de maior sustentabilidade dos Fundos em longo prazo, estaria justificado que se avançasse sobre receitas futuras, o que também beneficiaria as próximas administrações. Sinceramente não sei se foram esses os motivos que determinaram as excepcionalidades referidas, mas se foram, até que estariam justificadas.
Estariam desde que os recursos fossem efetivamente aplicados para capitalizar os Fundos, no sentido de que permanecessem bloqueados temporariamente, aplicados financeiramente, aumentando os lastros, para que pudessem amenizar os problemas que, no futuro, certamente serão ainda mais graves. É claro, que pela magnitude do problema, não seriam suficientes isoladamente, mas a eles poderiam se juntar, por exemplo, outras receitas extraordinárias, como aquelas resultantes dos pagamentos das instituições financeiras nas quais são depositados os vencimentos dos servidores, cuja finalidade não poderia ser mais apropriada. Ou mesmo, através da desmobilização de ativos cuja venda não prejudicasse as funções essenciais dos Estados.
É isso que norteia atualmente a aplicação dos recursos dessas operações? Certamente que não. Na verdade, esses recursos parecem destinados simplesmente a cobrir, de forma emergencial, déficits anuais dos Fundos, não contribuindo de nenhuma forma para a sua futura sustentabilidade. Receitas futuras de alguns anos são rapidamente erodidas, pois substituem recursos tributários que deveriam fazer face a esses déficits dos sistemas previdenciários.
Uma operação atualmente em tramitação na Bahia pretende antecipar receitas de cinco anos para cobrir o déficit de menos de um ano do Fundo de Previdência, por coincidência o último ano de um mandato e, portanto, um ano eleitoral.
Dessa forma, acredito que estaria completamente desfigurado o sentido da operação para a qual a Resolução 43 estabeleceu condições excepcionais, na suposição de que pudesse contribuir para uma recuperação estrutural dos Fundos de Previdência e não simplesmente para um “pronto socorro” nas finanças de Estados que não se ajustaram para as novas demandas do sistema previdenciário.
Considero, diante desses fatos, que deve ser urgentemente revista a Resolução 43 do Senado Federal, no sentido de impedir que as antecipações de royalties se destinem a cobrir déficit de despesas com pessoal inativo, que teriam de ser honradas com as receitas correntes.
*Paulo Souto é ex-governador da Bahia, ex-senador da República e presidente de honra do DEM estadual.
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