“O agronegócio grande e a segurança alimentar no mundo: muito mito, pouca verdade”, por Martin Mayr Postado às 03h28min em: Martin Mayr
16 de outubro, “Dia Mundial de Alimentação”: Nesse ano de 2013, a ONU deu o lema “Sistemas Alimentares Sustentáveis para Segurança Alimentar e Nutrição”. – Vale aproveitar a ocasião, particularmente no nosso pólo do agronegócio do oeste baiano, para refletirmos sobre a insistente afirmação do agro-empresariado de garantir o abastecimento alimentar para a crescente população mundial.
Essa sua vocação, alega o setor, demandaria a expansão das fronteiras agrícolas e justificaria manejos agressivos contra os recursos naturais. Na suposta função de fiador de segurança alimentar, esperam os ruralistas serem incentivados com investimentos públicos e subsídios financeiros. Diante do contínuo sofrimento de milhares de famintos no mundo, e em vista do inquestionável crescimento populacional justamente nos bolsões dessa penúria, dito argumento parece valer de paulada contra os críticos (como eu) que apontam para as tenebrosas conseqüências ambientais e sociais da exploração intensiva do campo.
Mas cabe ficar atento. Pois, analisada mais de perto, a promessa dos grandes produtores de prover a segurança alimentar do mundo carece gravemente de consistência e sustentabilidade. Como aponta o próprio nome, a produção agropecuária intensiva é, antes de mais nada, um negócio. Na lógica do setor agro-empresarial “comida” não tem status de alimento, e sim, de objeto de troca no mercado. O setor é movido pela otimização do rendimento financeiro. Como efeito colateral, pode ter bons impactos no suprimento da procura por alimentos. Mas não necessariamente. Por exemplo, enquanto os produtores lucram mais com a venda para a cadeia agro-energética, dificilmente se animarão a produzir para os demandantes de alimentos. Não cola o agro-empresariado insinuar que quer crescer para vencer a fome. Se fosse assim, apoiaria massiçamente estratégias e políticas que façam dos hoje ainda famintos consumidores capazes de comprar amanha seu produto. Contudo, no mundo todo as lobbies ruralistas continuam apoiando políticas que facilitam a concentração de renda, terra e água e dificultam a participação dos pobres nas decisões econômicas que lhes dizem respeito.
Amartya Sen, economista indiano laureado com o Prêmio Nobel de Economia em 1998, demonstrou no seu livro “Poverty and famines” que as crises de fome, com raras exceções, não existem por falta de alimentos e sim por falta de acesso aos mesmos. O arroz existe, mas o faminto carece do tostãozinho para adquiri-lo. Portanto, há um pressuposto precipitado quando o agro-empresariado alega que a sua capacidade produtiva salvará as pessoas da fome. Quem diz que futuramente os pobres terão mais facilidade de comprar os alimentos do que hoje? Os índices de preços apontam para o lado oposto: Desde 2008, o mundo convive com um encarecimento assustador dos alimentos básicos. O setor agro-empresarial não se alegra com isto?
Dizem as vozes do agro-empresariado – também em quase todas as reuniões, conferências e encontros que as envolvem aqui em Barreiras e Luis Eduardo Magalhães – que a questão da segurança alimentar seria uma questão da oferta - como se faltasse comida. Pelo menos por enquanto não é o caso. Todos os levantamentos dos órgãos internacionais comprovam que há alimentos de sobra para alimentar a humanidade sem precisar tirar nada do prato de ninguém. Isto não mudará tão rápido. As taxas de aumento de produtividade e do aumento das áreas cultivadas são bem maiores do que as taxas de crescimento populacional, confirma a FAO. Por enquanto, os mais beneficiados com a expansão das fronteiras agrícolas são os corretores de terra e água, os especuladores com os derivados nas bolsas internacionais e as indústrias de insumos e tecnologia agropecuária.
Sei que há produtores grandes que se chateiam cada vez mais com tais tendências. Estes sim são autênticos protagonistas na luta pela segurança alimentar. Mas de modo geral, o discurso do agro-empresariado sobre a segurança alimentar parece muito mais camuflar a dinâmica capitalista no mercado internacional das commodities – inclusive alimentos – do que revelar sinceras preocupações com o extermínio do flagelo da fome.
Martin Mayr
Diácono Permanente da Diocese de Barreiras
Coordenador Geral da Agência 10envolvimento
Diácono Permanente da Diocese de Barreiras
Coordenador Geral da Agência 10envolvimento
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